Por Milagros Salazar, da IPS
A pedido do governo, o parlamento do Peru discute esta semana a autorização para vender terras não aradas na Amazônia a empresas privadas que investem em reflorestamento. Mas, os críticos alertam que não existe um cadastro das áreas que podem ser vendidas sem prejudicar a biodiversidade. A modificação da Lei de Promoção do Investimento Privado no Reflorestamento e Agroflorestamento, que estava programa para ser debatida na semana passada, teve seu exame adiado sob o pretexto da ausência do presidente da Comissão Agrária, o legislador oficialista Franklin Sánchez.
Mas, a razão principal é que os parlamentares ligados ao presidente Alan García têm dúvidas em aprovar esta lei diante dos fortes questionamentos de especialistas, setores da oposição e organizações sociais, como os camponeses mobilizados na região de Loreto. Na legislação peruana em vigor, as áreas para reflorestamento são outorgadas mediante concessão. Mas García garante que se estes terrenos forem vendidos se conseguirá dar maior segurança aos empresários e promover a criação de empregos.
“Aproveitar a madeira e renová-la é uma possibilidade de gerar trabalho fazendo investimento. Estamos em um mundo ideológico que diz que não se pode tocar na Amazônia porque é parte do idílio do comunismo primitivo”, afirmou o presidente do Peru em uma entrevista publicada dia 21 de janeiro no jornal espanhol ABC. Mas, o interesse do governo em colocar à venda terrenos na Amazônia já havia sido anunciado antes por García em um artigo de opinião que publicou no jornal local El Comercio.
Os especialistas garantem que o mandatário só prioriza o fator econômico do investimento, sem considerar a situação real dessas áreas, que formam uma região de grande riqueza natural, e tampouco os habitantes da região, muitos deles indígenas. “O problema é que no projeto de lei do Poder Executivo não está definido de que tipos de terras falamos realmente, porque tampouco existe um cadastro”, disse à IPS o coordenador do Programa Florestal da não-governamental Sociedade Peruana de Direito Ambienta, Luis Capella. “Então, um terreno sem cobertura vegetal pode ser, na realidade, de uma floresta primaria que acabará destruída no momento de ser colocada à venda”, explicou. De fato, no projeto enviado ao Congresso é assinalado de maneira geral que se poderá destinar à venda “terras florestais sem cobertura vegetal e/ou baldios”.
Na Amazônia peruana existem 1.450 comunidades indígenas pertencentes a 65 grupos étnicos, segundo o censo de 1993, e, apesar da intenção do governo de dar em propriedade terrenos baldios, o Ministério da Agricultura reconheceu à IPS que o cadastro para identificar a situação real da região apenas ficará pronto no final deste ano. Apesar disso, o porta-voz dessa pasta garantiu que se calcula que existam 9,5 milhões de hectares desmatados.
Segundo Capella, é indispensável a elaboração de um diagnostico, porque, devido à geografia vegetal da Amazônia, é difícil que exista grande quantidade de terras baldias para investimento como se quer fazer crer. “Ao dizer que em lugar de dar concessão se vai vender, o presidente não soluciona as coisas, porque tampouco existe um contexto regulamentar e institucional que dê suporte e supervisione o investimento nestas áreas”, acrescentou Capella. Atualmente, a supervisão do reflorestamento está a cargo do órgão estatal Proinversión, como se se tratasse de qualquer outra atividade econômica e não de uma entidade que possa analisar os fatores ambientais, sociais e culturais que devem ser considerados na hora de vender os territórios da Amazônia.
A iniciativa de García tem posição favorável da Comissão Agrária do Congresso, encabeçada pelo legislador oficialista Sánchez. Tal projeto amplia de 10 mil para 40 mil hectares o limite de extensão das terras destinadas não desenvolve um contexto que regulamente e garanta a supervisão para o reflorestamento e tampouco envolve os governos regionais. “Em um cenário incerto, quando não se tem claro em quais condições e direitos se irá outorgar aos compradores e quais outros direitos dos moradores serão afetados, como se pode falar que esta lei garantirá o investimento e mais emprego?”, pergunta Capella.
Na Comissão de Economia, onde também se debateu o projeto, foi rejeitada a possibilidade de por à venda estes território e aprovou-se uma decisão que mantém a figura da concessão mediante processos de leilão público. As posições no Congresso estão divididas sobre o assunto. “Não concordo com a venda, porque também se pode garantir investimentos mediante a figura da concessão, e a Amazônia é um dos pulmões do mundo onde há comunidades que devem ser levadas em conta”, disse à IPS Lourdes Alcorta, legisladora da aliança de centro-direita Unidade Nacional, onde há vozes a favor e contra, apesar deste partido apoiar decididamente as iniciativas promovidas pela empresa privada.
No grupo progressista União pelo Peru, a rejeição é unânime. “Não queremos que envenenem os recursos naturais. Mesmo o sistema de concessões florestais vigentes demonstra que foi um fracasso, porque apenas serviu para saquear a selva e que um grupo de empresas se beneficiasse com a venda de madeira ilegal”, disse o legislador dessa agrupação Roger Najar. A legisladora oficialista Nidia Vílchez, ex-presidente da Comissão Agrária, repetiu os argumentos de García ao destacar que o projeto de lei “visa a geração de mais empregos”, mas, reconheceu que antes de colocar à venda os terrenos sem cobertura vegetal se deve garantir a realização de um cadastro e a titulação destas áreas.
Na selva, apenas 37% das propriedades rurais contam com título, informou à IPS o estatal Organismo de Formalização da Propriedade Informal. O principal obstáculo, explicaram porta-vozes desse órgão, é o contexto legal, já que há muitas restrições como permitir a titulação apenas das terras que são economicamente aproveitadas. A iniciativa presidencial, que tem apoio do bloco oficialista do parlamente, mexeu com os ânimos nas regiões amazônicas. Organizações sociais de Loreto realizam mobilizações de rua há vários dias.
Na a primeira quinzena deste mês, organizações de três regiões da Amazônia convocarão uma greve contra o polêmico projeto de lei. “Vamos protestar porque só o que estão fazendo é copiar modelos estrangeiros de reflorestamento, sem levar em conta nossa realidade”, disse à IPS o secretário-geral da Frente de Defesa de Ucayali, Rômulo Coronado.
(Foto: Mauricio Ramos)
(Envolverde/ IPS)
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008
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