SEGUNDA, 25 FEVEREIRO 2008 . GAZETA MERCANTIL
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Espero estar redondamente enganado, mas temo que haja alguma semelhança na cantilena de ontem e de hoje. Ontem, foi a vez do álcool da mandioca, hoje é da planta exótica, tipo pinhão-manso, capaz de produzir o biodiesel e encher os bolsos de pequenos agricultores que habitam rincões menos favorecidos. O pinhão-manso, que tem até site, é descrito na página como "árvore com até 4 metros de altura, flores pequenas, amarelo-esverdeadas, cujo fruto é uma cápsula com três sementes escuras, lisas, dentro das quais se encontra a amêndoa branca, tenra e rica em óleo".
Só para refrescar a memória: a usina experimental de Curvelo, em Minas, nasceu nos desafiadores anos 70, época em que o País mal produzia 10% do petróleo que consumia. A idéia era fazer da usina em escala experimental um empurrão na tecnologia do álcool da mandioca. O que se pretendia era ter uma solução para a pequena lavoura tirar o pé da lama, plantando uma matéria-prima que se transformaria em combustível renovável para alimentar os motores de carros.
Naquela ocasião, quando se visualizou o álcool da mandioca, o Brasil raspava os tachos das minguadas reservas monetárias da ocasião para trazer petróleo de fora e dar de comer aos carros e caminhões. Gastávamos, pois, o que tínhamos e o que não tínhamos para não deixar a pé o brasileiro e a indústria automobilística.
O álcool deu certo, fracassou, depois ressuscitou a partir da proposta da tecnologia do motor flex. Mas, não à custa da mandioca, e sim da cana-de-açúcar. Seria a vitória da tecnologia dos feudos, representada pelos barões da cana e o fracasso de um produto, no caso a mandioca, plantado pela camada sem poder da população?
Petrobras pode ser um agente para materializar o equilíbrio das forças produtivas
Dois fatos parecem incontestáveis: nunca se vendeu tanto álcool combustível como agora. E nunca mais se falou da coitada da mandioca.
O biodiesel, cuja adição ao diesel mineral é obrigatória na proporção de 2%, poderá seguir o mesmo rumo. Ou seja, culturas mais tradicionais e menos exóticas deverão dominar o biodiesel.
De boas intenções, o inferno e a política estão bem servidos. A realidade, por vezes, é crua. Nem sempre boas e nobres causas saem vencedoras, atropeladas que são por interesses maiores.
Vejo, agora, que a Petrobras acaba de criar uma diretoria específica para defender os interesses dos biocombustíveis. O que se pretende com a iniciativa, imagino, é estabelecer um canal de voz próprio para lutar pelos interesses do negócio de combustíveis vegetais.
Como empresa pública de energia, a Petrobras poderá com essa atitude estar criando um canal de voz para os interesses dos pequenos agricultores. A estatal, como se sabe, tem o domínio da cadeia do petróleo (produz, extrai e distribui) e não lhe será difícil ter o controle da cadeia do combustível vegetal.
Com isso - tratando os combustíveis vegetais também como questão de redistribuição de riquezas - a Petrobras tem a faca e o queijo nas mãos para materializar uma política de governo capaz de equilibrar forças produtivas, melhorar o meio ambiente e a vida dos brasileiros menos favorecidos.
Confesso que sou cético quando se fala em políticas públicas para favorecer os pequenos, mas torço para que o biodiesel - tratado como política de governo, assim como está se cuidando da revitalização da construção naval - seja uma fonte de inclusão social e não de exclusão.
O diesel mineral, combustível derivado de petróleo mais consumido no País, se complementado por uma dose de biodiesel trazido do pinhão-manso poderá ajudar os pequenos agricultores e, em conseqüência, fazer com que o Brasil materialize uma política de aceleração da distribuição de renda. Afinal, está se falando de um combustível vital e estratégico que, além de caminhões, ônibus e geradores, move locomotivas e navios.
ARIVERSON FELTRIN - Editor de Infra-estrutura da Gazeta Mercantil
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
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